CONTO: “O fruto permitido versus o fruto proibido
ou um conta minha vida”
AUTOR: Carlos Alberto Rodrigues
Carlitos sempre se sentiu um priviligiado e por isso orgulhosos de ter nascido e crescido enquanto criança e grande parte da sua adolescência num dos locais mais aprazíveis do país e que teve a bênção dos Deuses quando criaram o Gerês e toda a sua região envolvente.
No seu caso, as faldas daquela serra serpenteada pelo rio Cávado cujas águas formam um belo espelho na Caniçada e que depois de a “abandonar” continua sua aventura num vale encravado entre duas vertentes montanhosas que servem de miradouros priviligiados sobre o casario tão típico daquela região e cujas águas refrescam as suas margens dando um toque ídilico apenas ao alcance de pinceladas de grandes mestres da pintura.
Mas a casa onde Carlitos nascera, apesar de não ser tão velha como alguns exemplos centenários ou de Brasão, não deixava de ser um simples mas talvez por isso, belo e aconchegante casario carregado de granito onde se realçavam as janelas em madeira maciça onde sobre uma das quais se encontrava a inscrição “Maio de 1935”. Aliás duas janelas ficavam estrategicamente frontais para a barragem que se via la no fundo do quadro inspirador mas ao mesmo tempo sobranceiras ao casario que era avistado lá em baixo na aldeia e uma outra “aldeiazinha” caiada de branco e que ficava numa pequena colina acima do rio, que é o sitio onde sabe ter os seus entes mais queridos que já tomaram A VIAGEM. Os avós e padrinhos, tios, e primos, sempre sabe onde os encontrar para trocar dois dedos de conversa sempre que quer ou precisa. Encontrava-se á sombra de um frondoso pomar onde se colhiam as melhores laranjas, pêssegos e ameixas, além de outras árvores de fruto, mas também roseiras bravas que ladeavam o caminho para um pequeno lago estrategicamwente colocado ao centro, cercado de Japoneiras e canteiros onde se podia encontrar ervas medicinais e outras silvestres. Em conjunto, formavam um quadro digno de Monet. De realçar ainda as heras que cobriam grande espaço da parte inferior do prédio que era ocupada por duas divisões: uma chamada de “loja” onde, pelo seu ar fresco, se guardavam enormes pipas de vinho tão apreciado na região e outra, mais pequena, que servia para guardar durante meses, numa espécie de celeiro, cereais e presunto e outras carnes numa arca a que chamavam “salgadeira” pois podia-se guardar durante longos meses envolvidas em sal as mais variadas carnes.Esta mesma moradia se olhassemos um pouco mais para cima, em direcção aos céus e quase tocando-lhes podíamos avistar o resto da ilídica paisagem carregada de verde fresco: O Monte da Abadia de Bouro ou o Monte de Santa Isabel, um dos locais mais procurados no turismo local ou lá mais abaixo , quase no fundo deste quadro naturalista as Serras da Cabreira e do Gerês e daí descendo em direcção ás pontes de rio caldo. É o núcleo. Dali se vê tudo á volta sem pestanejar apenas soltar uns ais de espanto tamanha é a beleza.
Recordava-me das suas idas ao monte em busca de mato, entretanto roçado, para ver e ajudar nas lides dos homens adultos e que seria transportado em carros puxados a juntas de bois e cujos eixos “choravam” pelo peso sobre as grandes pedras da calçada daqueles tempos. Rituais tão bem contados que eu imaginava o meu amigo um sortudo por puder acordar ao som do chilrear dos pássaros, do pequeno-almoço, que tem um sabor diferente e único na aldeia, das correrias por entre veredas e os verdes campos na companhia das irmãs, primos e amigos, numa ciranda de alegria contagiante. O brilhar dos olhos nas lides domésticas, quando suas avós preparavam o farnel para alimentar os Homens que trabalhavam árduamente a terra, que vindimavam ou ainda roçavam mato numa alegre algazarra onde se contavam as novas da aldeia enquanto esperavam para saciar a fome e a sede. Normalmente o cardápio era constítuido por peixe frito envolvido em farinha de milho e que lhes dava um sabor especial, bacalhau frito ou presunto com broa de milho e o vinho para refrescar suas sedentas gargantas. Mas o melhor é que eles podiam se juntar no banquete aos “homens adultos” e enquanto ouviam estórias que ainda hoje se recorda com saudade, muitas eram as vezes em que, qual avô ou “padrinho” subia as escadas que o levava até ao cimo das videiras e colhia com todo o cuidado os cachos de uvas que depois seriam transportados no mesmo carros de bois num belo ritual que terminaria no lagar para serem pisadas pelos seus pés entre cantares brejeiros e honras ao Deus Baco.
Costumava-me segredar que apenas quem nascera saloio (e não era no aspecto pejorativo da palavra) quem conhecia verdadeiramente os aromas e estados do campo, é que sabia verdadeiramente o valor da convivência com a natureza e o valor que se devia dar por isso.
Por estes dias andava cabisbaixo pelas noticias que vinham do Gerês e que davam conta dos incêndios que queimaram grande parte de suas memórias e por consequência, de sua vida. Vejo-o falar de forma soberba das áreas atingidas, como Mezio, Cabril ou Vilarinho das Furnas que tantas vezes testemunharam a sua presença, dos tempos em que acampava despreocupadamente com amigos e amigas numa ânsia de oferecerem aos seus sentidos todos os aromas e paisagens que lhes faziam companhia. Até metia “ impressão” tanta beleza junta num só espaço, costumava dizer. Ou ainda as jornadas passadas à descoberta de outros recantos como lagoas ou cascatas, as dormidas em casas do guarda abandonadas, um rol de bons momentos agora de luto vestidos por obra do descuido ou da pura maldade.
Talvez demasiado forte esta expressão mas eu compreendia o seu ponto de vista, era a paixão à terra que falava em detrimento da raciocínio claro e preciso, mas que acabava por ter razão.
Naquela aldeiazinha criou as melhores amizades, do tipo que ficam para sempre dentro do nosso espírito e que são testemunhas dos melhores momentos de nossas vidas. Neste aspecto Bilito é o melhor exemplo do que acabámos de escrever. Por coincidência tinham nascido no mesmo dia no mesmo mês e no mesmo ano!!! Talvez também por causa disso tenham alimentado durante anos e anos uma amizade de “meter inveja” aos melhores companheiros de jornada. E tal como a maior amizade também lá encontrou o seu primeiro amor, nos campos ceifados, entre o feno e os milheirais, sempre nos Verões de sua vida, nas águas refrescantes que tão bem conhecia. Morava a escassos metros da casa que o viu nascer e crescer, lentamente, para a vida e cruzava-se com ela todos os dias. Tinha “a seu favor” o facto de ser irmã de Bilito, seu braço direito nas brincadeiras do dia a dia e a quem ia segredando o seu interesse em querer partilhar as alegrias com figura tão altiva e bela.
Bela, assim era ela e assim era seu nome, ou melhor, como era chamada. Nunca ninguém antes fizera jus a seu nome. Claro que também nesta área eu tivera conhecimento. Contou-me que a primeira vez que se viram, meio envergonhados, ficaram parados a olharem-se mutuamente e com um jeito malandro lá começou a descrevê-la ali mesmo naquele instante. Claro que ela ficou estupefacta por, em tão poucos minutos, ter ficado a saber da existência de adjectivos tão bonitos e sonantes e que ainda por cima lhe eram dirigidos. Demais!
Descrevê-la era, por isso, um enorme prazer: a sua graça o seu modo de sorrir e de falar centravam-lhe todas as atenções. Que melodia eram suas palavras! Vindas duma boca perfeita e as formas de seus lábios numa face arredondada e rosada, cujos cabelos de ouro realçavam a alvura de sua pele. Bela! Deus quando a criou estava deveras inspirado pois os anos vindouros fizeram dela uma bela mulher que um dia fez disparar seu coração do mesmo modo que também ele sabe de sua importância nos primeiros momentos de fazer aquecer o coração dela. Tal é a certeza desse pensamento que bem recentemente fui conhecedor duma conversa onde ela, mulher casada e mãe de filhos, lhe disse sem pudores que ele tivera sido seu cavaleiro andante que jamais havia esquecido aquelas palavras carregadas de significado e de... adjectivos. Afiançou-lhe uma cena que ele não se recordava: hoje lembra-se dele como o menino com o mesmo nome no filme de Manoel de Oliveira “Aniki Bobo””. Carlitos andava sempre (ou quase sempre) de calções curtos e descalço pois gostava de sentir as “impressões daquilo que pisava” Acreditem que nem o mato lhe metia medo . Arranjava sempre maneira de lhe fugir. E ele sorriu a este descrição e confissão e apenas soube dizer sem som vindo de seus lábios: Obrigado! Ou daquela vez em que ouvira suas chanquitas a “cantarem” sobre as pedras da calçada, anunciando mais um regresso á aldeia, enquanto ela esperava, ansiosa, por mais uma caminhada aproveitada para pôr as novidades em dia. Dias inocentes mas que irradiavam alegria todos os segundos, minutos e horas.
Perdi-lhe o rasto aos 16 anos, coincidência ou não, no ano em que sua avó, de forma inesperada, faleceu. Acredito que teria sido um rude golpe para o seu coração pois tinha sido como se costuma contar, duas vezes mãe sempre a fazer as vontades aos netos, tal como entendo, uma avó deve ser quando os netos são pequenos, reguilas e andam sempre traquinas mas alegres e por essa alegria ela partilhava caminhadas até ao moinho para colher farinha para fazer o pão que havia de ver cozer em forno a lenha, uma figura que aconchegava-os em seu regaço sempre que a mão paterna teimava em querer descer sobre os seus corpos franzinos num gesto que pretendia corrigir alguma asneira feita durante as brincadeiras. Foi desde sempre a imagem materna adorada e idolatrada não fôra ela a responsável por dar á luz sua mãe, feita á sua imagem e por isso se sentia eternamente agradecido.
Nesse tempo não havia Verão (mais tarde, nas férias grandes da escola), Carnaval ou Natal que não recebesse sua visita para festejar junto de seus familiares e amigos. Então, em relação á festa natalícia era sinal de mais um ano que terminava e urgia celebrar cada ocasião como se fosse a última. Na infância, Dezembro era o mês mágico. Da magia vinda dos presépios que se criava com todo o cuidado com as figuras bíblicas colocadas estrategicamente sobre o musgo que tinha sido colhido do monte ás postas e do pinheirinho que assinalava a luz do nascimento e que emprestava á casa um aroma a pinho que ficou para sempre na sua memória.
O Dezembro era a sua libertação. Sonhava o ano inteiro com o dia em que ia ao monte que ficava logo ali bem pertinho de casa de seus avós e de lá trazia a magia carregada ao colo. Eram outros os tempos. Tempos que passavam devagar para que deliciassem de cada momento porque seriam únicos e porque afinal eram tempos de infância. Um tempo tão pequeno quanto nós.
Certamente, por isso mesmo, o que mais saudades traz nesta época de final de ano. Depois seria tempo de crescer e de deixar as magias para trás. Ou como escreve o Carlos Tê na música do Rui Veloso “É triste ser-se crescido e não ter mais redea solta. Ir descobrir o sentido Do mundo à nossa volta É triste dizer adeus Aos nossos velhos cantinhos E ouvir a nossa mãe A mandar-nos ir sózinhos” Ou que triste é ter de trocar os calções pelo colarinho apertado, ter cartão de Identidade já com outro penteado. É tudo verdade sim senhor. É com estas músicas que vamos crescendo e dando sentido á nossa vida. Hoje tudo é diferente. Desapareceram as pessoas que mais amamos por que envelheceram e pereceram, as mesmas que nos sorriam a cada chegada do mês de Dezembro, para passar o Natal e Fim de Ano. Pais, Avós, tios, primos pessoas que ajudaram a construir esses sonhos e que recordava com saudade a cada ano que passa. Sempre agradeceu ter seus pais para lhe ajudarem a lembrar alguns cantinhos esquecidos dessa meninice feita com musgo e pinheiros, com rabanadas e aletria. Com foguetes feitos de canas de milho ou ainda daquela lareira que estava sempre acesa para lhes aquecer a alma depois de uma jornada ao frio cortante dos montes que ficavam nas faldas do Gerês.
Apesar de tudo ser diferente, hoje sente alegria porque afinal sempre podia sonhar que dali o mundo até parecia um lugar feliz onde era bom viver. Por isso, ás vezes lembro que o Carlos Tê continua a ter razão: É triste ser responsável Guardar horas na cabeça Ter tantas obrigações Que fazem andar depressa Ai como é bom recordar Esse tempo de criança Às vezes queria parar Crescer muito também cansa.
Valores como a amizade, camaradagem, honra ou decência e que cada vez mais se vão perdendo no tempo, deve-os a essa idade, tenra, mas que aos poucos se fortaleceu e fez dele um rapaz á imagem daquela família. Sempre este rodeado de amor, carinho e valorizado pelo seu trato fácil e afável e sua curiosidade tornaram Carlitos um rapaz querido na aldeia sempre pronto para uma conversa com quem lhe aparecesse no caminho também eles curiosos por saber as novidades da cidade, ou apenas prosear sobre qualquer assunto.
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Soube dele anos mais tarde, já em idade adulta, não porque me cruzara com ele mas porque o “encontrara” entre o espectro radiofónico da cidade. Era responsável por um programa de Rock bastante conhecido entre a camada juvenil e que fazia vibrar os amigos com as suas músicas preferidas.
-Bandidito! - pensei eu com meus botões. Afinal tinha conseguido o seu objectivo, já antes contado, de trabalhar entre as gentes da música. Conhecer aquele mundo sempre o fascinou e pelos vistos tinha granjeado fama e proveito para além das amizades travadas entre concertos e entrevistas. Privara com os grandes nomes do rock cantado em português e desses feitos já ninguém o conseguia renunciar. Orgulhosamente, aquela paixão tinha dado frutos. E orgulhoso me sentia eu naquele momento. Saber que tinha a sua amizade dava-me um enorme prazer e como num filme passou em minha mente alguns momentos que passamos enquanto miúdos, das conversas sem ter fim, dos nossos segredos e estórias, das preferências literárias, onde discutiamos gostos e preferências de Altino do Tojal até Júlio Dinis passando por Vitor Hugo ou Tolstoy; musicais e aqui predominava o rock ou a música indie ou independente, sem tendências comerciais e quando chegava a altura de citar preferências, para “não ferir susceptibilidades” pois o universo rock era quase infinito, atirava nomes á baila como os Mão Morta ou Xutos, a Sétima Legião ou Pop d'ell Arte Linha Geral ou GNR. Depois havia os outros balizados entre The Stooges ou Joy Division passando por Iggy Pop ou The Doors com os poemas de James Douglas Morrison ou ainda recordando sonoridades ouvidas ao vivo como os The Pogues, The Rolling Stones, U2 ou David Bowie mas a preferência era bracarense, quando tocavam á sombra de um Deus em plena cidade dos arcebispos os sons de outros tempos que vinham de BateauLavoir, Orfeu Rebelde ou Rua do Gin preferências desportivas – era um braguista dos sete costados e á volta dos feitos do clube contava-me vezes sem fim os golos que festejava com os seus idolos no velhinho Estádio Primeiro de Maio. O primeiro jogo que se recorda de ver tinha cerca de seis anos e relatava-o como se tivesse acontecido no último Domingo.
Assim, sereno e calmo o mantive durante uma dezena de anos ouvia-o regularmente e a sua companhia fazia bem, como de um momento único se tratasse. Porém a serenidade deu lugar à preocupação e inquietude. Voltara a “encontrá-lo” mais uma vez, não na rádio , que entretanto abandonara, mas através das páginas de um jornal da cidade, de alguns anos atrás, numa coluna dedicada ao leitor. Rezava assim a sua crónica que datava de Abril de 1996:
“Conhecia-o há cerca de vinte anos.
A primeira recordação que guardo dele é a de um puto que estudava na escola Francisco Sanches e tal como muitos outros miúdos, cheio de alegria, uma alegria contagiante própria da idade.
Nessa altura era ele companheiro de carteira de minha irmã mais nova, e já ela me dizia que ele era assim como um defensor dos mais fracos, dos desprotegidos e dos mais pequenos e frágeis, os alvos prefeitos dos mais velhos e dos “arruaceiros”, daqueles que procuravam a todo custo motivo para barulhos e confusões. Para as meninas era o galã, sempre com um elogio na ponta da língua.
Perdi-lhe o rasto nos anos seguintes, vindo a encontrá-lo mais tarde, há precisamente seis anos, metido num mundo em muito semelhante ao meu. Ambos tinhamos seguido por uma viagem alucinante e perigosa pelos trilhos da droga.
Eu tinha conseguido acabar com o meu vício e dependência há cerca de três anos. Ele, porém, continuou viagem e só parou quando a droga lhe pregou o golpe fatal há dias. Precisamente quando a Primavera tinha acabado de nascer.
Tinha sucumbido, caindo falecido nos braços de uma overdose.
Consta-se. Se foi ou não, não interessa para agora. O que me faz sentir raiva é eu saber que morrera por culpa da droga.
Devia ser proibido morrer quando nasce a Primavera... Quando a vida devia ser um sonho e torna-se o maior pesadelo por vias desse modo de viver.
Quando toxicodependente, também eu tinha provado o amargo sabor da morte e não gostei. Por três vezes. E noutras tantas vezes eu tivera a sorte de (sobre)viver de continuar vivo, para hoje, num amargo de boca e duma forma fria e cruel continuar a ver vidas a serem ceifadas, quantas vezes na flor da idade, como aconteceu naquela Quinta-feira dum Março primaveril que o Cláudio não chegou a ver. E quantas vezes continuo a ver aqueles olhares perdidos no vazio, que tão bem conheço. E dou comigo a perguntar:
-Que será que pensam? - o mesmo que pensava eu, ontem, quando escondido atrás da droga?
Via-me, então, preso a um mundo de desespero, apatia, de angústias e tristezas e sobretudo de sofrimento, o nosso e o dos outros, daqueles que nos amam, mas que não “conseguimos ver” mesmo estando a nosso lado. Viver cada dia sempre com um vazio a acompanhar-nos, á procura de mais uma dose, a necessária para nos mantermos de pé. A droga passa a ser o nosso sustento diário. É o almoço e o jantar, é o adormecer e o despertar.
Porque depois já é o sangue e o corpo que pedem mais, cada vez mais e mais, senão padece num rodopio diário brutal e que nos atormenta os nervos. E se carecemos de droga entra-se em depressão, angústia onde fazes de tudo para ires buscar a próxima dose, procura que tantas vezes termina em pranto, em morte.
Anda-se por estradas sem fim e becos sem saída e acabámos todos num labirinto como se caíssemos na teia urdida de propósito para cairmos qual repasto para a aranha.
Duma coisa devem ter consciência: Que todos têm tudo o que é necessário para sairem dessa teia. TODOS, sem EXCEPÇÃO de natureza alguma: Força de vontade.
Conseguir parar a tempo e saltar fora, saltar para a vida e viver novamente. Todos têm os mesmos meios para conseguirem libertar-se dessa maldita dependência, antes que a droga vos tome também a vós nos braços vós que em nada são diferentes dos restantes e vos torne, finalmente, num autêntico farrapo humano, despidos de qualquer orgulho próprio e de auto-estima, sem sentido de vida tornam-se alvos fáceis a abater como se fossem perdizes em temporada de caça. Mais cedo ou mais tarde por detrás de alguma parte lá surge a senhora de negro vestida a convidar-vos para um banquete que será por certo o último. Surpreendido perguntarás: “Quem és tu?” Ao que te responde a dama de negro vestida para aquela ocasião tão especial: “Sou aquela que tu procuras e que no fim de tudo, tudo vem ter a mim, só te quero chamar pois o meu nome é morte...
Assim, depois será bem mais fácil voltar a lembrar com um sorriso na face aquele tempo em que éramos pequenos pardais á solta; pequenos galãs que num dia se fizeram e tornaram Homens. Nunca escondidos no seu passado, antes prontos a olhar em frente de cara levantada e peito ao vento para novas jornadas que vão moldar-te o teu novo ser. Deixa-te ir, entrega-te pois ficas a ganhar neste jogo que é a vida.
Quanto a ti, Cláudio, que os teus anjos olhem por aqueles que tanto precisam de ajuda, que nós dois, eu e tu, a partir desta data, haveremos de nos cruzar todos os dias. Tu desse lado enquanto velas por nós e eu deste sempre pronto a segredar-te coisas que me podes pedir, sem dúvida!!!
Cláudio, amigo, descansa em PAZ”
Claro que estremeci por completo, parece que o tecto me desabara em cima como se de um tremor de terra se tratasse. Correram-me mil e uma imagens pela minha mente, queria manter-me focado mas o meu ser parece que tinha esmorecido, perecido por instantes para dar lugar á angústia e finalmente a tristeza. Meu querido amigo de jornada, o que te tinha acontecido? Tal como num jogo de futebol, tinhas feito um volte face em tua vida. Em vão tentei encontrá-lo para saber de si, dar-lhe apoio caso fosse necessário e afinal, um abraço reconfortante pois sentia que por aí passava a minha receita. Foi vitima da afamada “curiosidade matou o gato”? Ou a sua passagem pelo mundo da música fizera como alguns grandes autores, tornando-se, também ele, um farrapo humano? Uma ou outra companhia menos “fiável” tivesse complicado as coisas? Creio que não era o mais importante para a altura, apenas queria recuperar o miúdo que um dia correu a meu lado e sorriu para a vida porque os dias naquela altura tinham 24 horas de felicidade. Acredito que ainda não era tarde. A última coisa que queria tomar conhecimento era a de que não tinha saltado a tempo, mesmo com o trem em andamento e deixar-se levar numa viagem sem retorno. Não. Nem quero pensar que o possa encontrar na aldeiazinha branca dos mortos já na companhia daqueles que eram seus e tinham já partido.
Um arrepio trouxe-me de volta á realidade. Sonhos (ou pesadelos) desta natureza fazem-nos perder a noção de tempo e lugar. Precisava de o encontrar, mas desta vez, pessoalmente, finalmente ter uma conversa séria e abrir o jogo se necessário fosse. Acredito que ainda se podia salvar o Homem que um dia desejei seguir e cujos passos sempre me pareceram seguros. Devia sentir-se inseguro ou sozinho mesmo que se encontrasse no meio de uma multidão. Porém lembrei-me que aquele artigo de opinião pertencia ao passado. Mas ao invés de me acalmar ainda me avivou os nervos. Afinal aquelas últimas linhas do artigo podiam ter-me dado mais alento, mas não consegi ficar seguro. Queria saber dele. Depois de algum impasse consegui finalmente encontrar-me cara a cara. Depois destes anos todos mantinha na face a serenidade de sempre. Quando me reconheceu abraçou-me de uma forma como jamais alguém abraçara. Uma saudação de amigo, afinal sempre prometeramos que a amizade havia de durar para sempre. Sentia o seu sorriso inseguro apesar de aparentar boa forma física mantinha os traços que tinha quando miúdo. Esperava vê-lo muito mais velho e agastado pela últimas vivências e pela sua viagem ao mundo das drogas. Mas não, pelo contrário, apesar de caminhar há muito no limite e chegando aos extremos muitas vezes a verdade é que ainda lhe resta aquele rosto de menino positivo e alma do tamanho do mundo. Apenas notei estranheza no sorriso. Falei-lhe do assunto e respondeu-me dizendo que o real o que vai de orelha a orelha já não é o mesmo ou pelo menos não sente as mesmas emoções, parece que o sorriso de qualquer pessoa é a jóia da coroa o dele ficou lá atrás num tempo situado algures entre o Gerês e a sua casa de granito com belas árvores de fruto e roseiras bravas a fazer companhia. No tempo da criancice e das brincadeiras aqui narradas mas nessa altura era um sorriso como já lemos nestas linhas, um sorriso que não cabia no mundo e que tinha a duração de cada dia, vinte e quatro horas!
Apesar de tudo confio que salvou-se o Homem de uma fuga para o precipicio, pois sei que pegou na sua força de vontade e o querer viver um dia de cada vez para conseguir vencer esta luta que tem como prémio a VIDA!