A noite de hoje é o ponto alto das habituais festas em honra de S. João que todos os anos por esta altura trazem muita animação e folia ás ruas da cidade.
Até os forasteiros animados pelas gentes da cidade, entram na festa para contarem esta experiência aos seus amigos e levando longe estas festividades da cidade de Braga.
Desde sempre que é considerada a noite mais longa do ano onde as pessoas ficam até à manhã seguinte entre cantares, rodopios, muita alegria e amizade.
Mesmo em tempo de crise vamos rindo e entretendo enquanto não se paga!
S. JOÃO EM BRAGA
As Festas de S. João em Braga decorrem nos dias 23 e 24 de Junho embora sejam antecipadas de um leque variado de actividades populares, culturais e recreativas, contando com a presença indispensável de ranchos folclóricos, bandas de música, grupos de Gigantes ou Cabeçudos, de bombos e "Zés P'ereiras", teatro, jogos tradicionais, concertos, etc...
O Programa das Festividades começa no dia 16 de Junho prolongando-se até ao dia 24.
A 23 realiza-se o Monumental Arraial Minhoto ao qual se associam todas as camadas sociais e que trazem à Cidade romeiros das mais variadas localidades bem como turistas nacionais e estrangeiros. É uma noite de folguedos e de romaria até à Capelinha de S. João localizada no Parque da Ponte, junto ao Rio Este. Esta capela foi mandada edificar pelo Arcebispo D. Diogo de Sousa pelos anos 1505/1532, tendo sido renovada em 1616.
A Avenida principal (Avenida da Liberdade) que liga o coração da Cidade ao referido Parque transforma-se num mar de gente que a percorre, subindo e descendo, entrecruzando-se, acotovelando-se, aqueles que ainda gostam de sentir o calor do Povo, a alegria jovem dos jovens de qualquer idade, o aroma dos manjericos ao mesmo tempo que vão aguentando as, por vezes violentas "marteladas" provocadas pelos, nem sempre, simpáticos martelinhos de plástico que vieram substituir o muito mais inofensivo e até simpático "alho porro".
Ao longo da Avenida proliferam barracas onde de tudo se vende um pouco, bem como as características tendas de "comes e bebes" e de farturas. Não falta a famosa sardinha assada (pelo S. João a sardinha pinga no pão) comida sobre um naco de boroa, acompanhada de vinho verde, o caldo verde "com tora" servido em malgas regionais de barro vidrado. Há ainda o cabrito assado típico na gastronomia da época.
No dia 24, durante todo o dia, as ruas da Cidade são percorridas por bandas de música e pelos alegóricos Carros do Rei David e dos Pastores. A meio da tarde, e da Igreja da Sé, sai a Procissão dos Santos Populares - Santo António, S. Pedro e S. João.
As noites de 23 e 24 são animadas com fogo de artifício lançado do Monte do Picoto (dia 23) e queimado em forma de fogo preso, no Estádio 1º de Maio (dia 24).
Muitos dos usos e costumes e tradições das Festas Sanjoaninas já caíram em desuso. É o caso da serpe, das ciganas bravas, do porco preto, dos candeleiros e da dança das pelas. Restam-nos a Dança do Rei David e o Carro dos Pastores bem como a procissão dos Santos Populares.
Na Idade Media a procissão de Corpus Christi tinha carácter oficial competindo à Câmara a responsabilidade da sua organização e valorização. O mesmo veio a acontecer com as Festas de S. João.
A Corpus Christi, derivada da Festa de Diou, de Proença, foi introduzida em Portugal no tempo do Rei D. Dinis — 1270 a 1325.
O povo citadino e vindo das freguesias rurais circunvizinhas de Braga tinha por costume acompanhar esta manifestação da Fé Católica, incorporando-se nela com seus cantares e danças. Uma dessas manifestações era a mourisca que tanto se podia manifestar como uma dança ou como uma luta.
Sendo tão do seu gosto a mourisca não admira que a mesma passasse a fazer parte integrante da Procissão.
A dança mourisca era apresentada por doze homens vestidos à mouro, cantando e dançando com seu rei. As suas origens são anteriores às da Procissão de Corpus Christi. Tratava-se de uma dança palaciana, dançada em salões e festas particulares.
Reminiscência da ocupação moura nas terras da Lusitânia e que, segundo Bluteau, veio da Macedónia, era «...composta de muitos moços vestidos à mourana, armados de seus broqueis (pequenos escudos redondos) e varas a modo de lanças, tendo o seu rei com alforge na mão, a cujo sinal e ao som do tambor, andavam uns contra os outros, travando-se em ar de batalha». — In "S. João de Braga", de José Gomes.
A mourisca surge-nos sob outras formas, com outras versões, em diferentes partes do País, umas vezes simulando uma luta entre mouros e cristãos, outras em forma de dança em honra "do nosso Compadre João Baptista".
Pudemos verificar a existência destas diferentes versões na Ilha Terceira e em Viana do Castelo.
A partir do séc. XVII a Igreja Católica proibiu a apresentação da mourisca por a achar «imprópria», por herege, para acompanhar tão solene Procissão.
Numa tentativa para evitar a sua exclusão e manter a na Corpus Christi procurou o povo modificá-la imprimindo-lhe carácter religioso. Para tal, trocou os trajes mouros por outros hebraicos, transformando, assim, mouros em hebreus conduzidos por um rei também hebreu - o rei David - fundador da Cidade de Jerusalém e o Reino da Palestina. Como pastor e tocador de lira defrontou e venceu o gigante Golias
Porém, estas mutações não bastaram à Igreja Católica passando então a fazer parte dos festejos a S. João.
É com este novo aspecto, com esta nova roupagem, que nos é dado apreciar, todos os anos, a 24 de Junho, a dança de origens pagãs - A Dança do Rei David.
Um outro costume das festas a S. João e que ainda hoje faz as delícias, quer da rapaziada nova quer dos mais velhos por nele reviverem seus tempos de criança é o "Costume das Figuras Gigantes" ou Amazonas ainda referenciados como Cabeçudos ou Gigantones.
Pela pena do escritor Dr. José Gomes podemos dizer que as Amazonas eram «figuras de prodigioso tamanho cujas cabeças de papelão e de enorme volume se sobrepunham a corpos feitos de roca de madeira ou verga, revestidos de fatos e adornos e como os vestidos caiam até o chão, iam dentro, encobertos, homens que levavam a máquina, fazendo dançar à roda as figuras e dando-lhes o jeito de reverências e mesuras, movendo assim notável gritaria e alvoroço no rapazio e riso e distracção em muita gente».
Ainda hoje os cabeçudos transmitem uma alegre irreverência ao retractarem figuras ilustres da Cidade que, com o facto, se divertem com o humor que tal feito lhes merece. Nele não há malícia mas o humor simples e são do povo.
A Dança do Rei David, que no dia 24 de Junho percorre as ruas de Braga, sai do Largo de S. João do Souto, frente à Igreja do mesmo nome, onde faz a primeira exibição. Esta capela foi mandada edificar pelo Arcebispo D. Diogo de Sousa nos anos 1505/1532, tendo sido renovada, como se apresenta em nossos dias, em 1616.
Igreja de S. João do Souto
É apresentada por doze homens, os pares, e o rei: dois são os guias, colocados à frente do grupo dividido em duas alas com cinco homens cada e que se designou pelo nome de tuna de fora.
Aos guias compete abrir a dança e ir buscar o rei, ao centro e ao fundo, entre as duas alas. Esta parte da dança é executada dançando para trás, sem virar as costas ao público. Deste modo trazem o rei à frente, onde dança, primeiro sozinho seguido depois pelo pares que se cruzam entre si mudando de ala.
A Dança do Rei David, exibida, a pé, pela Cidade
Antigamente, o conjunto exibia-se nas ruas, a pé, mas, há já vários anos, que se faz transportar num carro ornamentado para o efeito, simulando um salão medieval, atrelado a um tractor.
A música que dá vida a esta dança medieval é atribuída a um monge do Convento do Pópulo - Braga - de nome Agostinho. Embora haja outras versões sobre o autor da melodia que a acompanha não é possível determinar o seu primitivo autor. Há quem atribua a Fernando José de Paiva, com naturalidade em Famalicão e que se havia de radicar em Braga onde teria morrido em 1874.
É de todo o interesse salientar que a figura de rei David, nesta dança, tem passado de geração em geração. É pertença de uma família bracarense, com raízes na freguesia de Palmeira. Compete ao filho mais velho representar, todos os anos, a figura do rei e, essa função, tem vindo a ser seguida de geração em geração.
O Carro dos Pastores, que representa um auto pastoril, teria surgido no séc. XVIII , na freguesia de Landim, concelho de Vila Nova de Famalicão sob o nome de Auto de S. João de Landim. Nele se representa o Nascimento de João Baptista. Surge a nossos olhos como um palco ambulante construído sobre um estrado ornamentado com folhas de hera e ramos de cedro (o que o levou a ser conhecido como o Carro das Ervas) ao qual se atrelavam duas possantes juntas bois. Mas, com as novas exigências urbanísticas e pela dificuldade em conseguir bois possantes foram as mesmas substituídas das por um tractor devidamente ornamentado para o efeito.
Tractor que puxa o Carro dos Pastores - 1984
Voltando à descrição de Carro dos Pastores devemos dizer que, sobre o estrado onde decorre toda a cena, existe, ao fundo, como que um segundo palco (mais pequeno e mais estreito), com acesso por dois lances de escadas laterais. Nele podem ver-se dois pequenos anjos que irão ladear o Sanjoãozinho no momento da sua aparição. Sobre este espaço, em plano superior, surgirá um anjo pousado numa nuvem, nuvem essa conseguida por uma estrutura de madeira forrada a algodão em rama salpicado de pequenas estrelas. Falamos de um anjo pois apenas um aparece em cada exibição. Na realidade seguem no Carro mais dois para desempenhar o mesmo papel. É razão para isto o esforço de voz que lhes é exigido, por isso, a necessidade de os ir alternando. As suas vestes são de cores diferentes - branco, rosa e azul.
Como já referimos, o Carro dos Pastores é uma alegoria ao nascimento de S. João Baptista. Tratando-se de um auto pastoril inspirado no Evangelho segundo S. Lucas - "Não temas Zacarias porque foi ouvida tua prece e Isabel, tua mulher, parirá um filho e pôr-lhe-ás o nome de João" - não podiam faltar os pastores que aqui aparecem em número de catorze (sete rapazes e sete raparigas) de cujos cajados e pandeiretas pendem coloridas fitas. Usam chapéus de palha descaídos sobre os ombros, com a aba erguida, presa à copa e ornamentados de flores confeccionadas com fitas de seda dos mais variados tons. Do traje das pastoras constam uma saia, colete e avental guarnecidos com fitas coloridas, blusa branca, meia e sandálias. Os pastores trajam calção e colete com idênticos adornos, camisa branca, faixa vermelha na cinta, meia até ao joelho sobre o calção e sandálias.
Zacarias e Isabel, pais de João Baptista e o Anjo são outras das personagens da peça não esquecendo S. João Menino, personificado numa criança de três a quatro anos de idade.
Este pequenino João é uma das figuras mais acarinhadas
Uma criança que personificou a figura de S. João Menino
O auto inicia-se com uma primeira actuação dos pastores cantando frente Zacarias e Isabel. Recordam alegremente o nascimento de S. João.
Do Baptista o nascimento
Neste dia recordamos
Justos votos de alegria
Em seu nome lhe rendamos
Primeira actuação dos pastores - 1984
Terminada esta primeira dança é a vez de Isabel e Zacarias suplicarem ao Senhor o nascimento de um filho.
Zacarias e Isabel suplicam o nascimento de um filho
Surgindo de entre a nuvem um anjo - o Arcanjo S. Gabriel- anuncia o próximo nascimento do filho tão desejado. Porém, Zacarias fica incrédulo atendendo à avançada idade da mulher. Ao ver a pouca fé de Zacarias o Anjo prediz-lhe um castigo. Surdo e mudo ficará.
Deus acolheu tuas preces
Um filho te será dado.
Entre cânticos e danças o auto vai evoluindo até ao aparecimento do Menino João envolto em pele de ovelha. Os pastores cantam e dançam, em plena manifestação de alegria, louvando o Santo e apresentando-lhe as suas ofertas. Entre estas é de salientar a dádiva de um cordeirinho.
Vosso nascimento ó João Sagrado
Seja, em todo o mundo sempre festejado
Esta capelinha que nós vos tecemos
Deixai que com ela nós vos coroemos
Maior entre os homens
Nós vindes mostrar.
A quem o pecado
Nos vem resgatar.
Oferta de um cordeirinho:
Ofertório
Era tão bonito
Mansinho cordeiro
Seja o vosso mimo
Vosso companheiro
E digamos todos
Que viva João
Que nos vem mostrar
A Salvação.
No acto das ofertas a João Menino os pastores beijam-lhe a mão com reverência. O Menino retribui com um gesto gracioso e brincalhão que provoca risos entre a assistência: dá uma bofetada na face de cada pastor.
E, pela última vez, surge o Anjo que, do alto da alva nuvem, canta:
A memória de João
Por nós tanto engrandecida
Queira nos céus
Que neste dia
Seja sempre renascida.
O auto termina por uma contradança executada pelos pastores.
Todo este auto pastoril é acompanhado pela Banda Musical de Cabreiros, freguesia de Braga, chefiada pelo Senhor João Pires Brás.
A melodia original foi escrita por João Guedes e modificada, posteriormente, por Fernando José Paiva.
Esta página teve como base o livro "Rei David / Carro dos Pastores" de autoria de M. Helena Palha.